Guia Intercultural Inovações no Cuidado Pré-Natal
O Projeto Redes de Cuidado, que atua na Terra Indígena Yanomami (TIY), apresentou um guia inovador para a atenção ao pré-natal, conhecido como Temi Totihi. Este projeto foi selecionado como um dos 21 destacados mundialmente entre 1.175 propostas na Segunda Cúpula Global da Organização Mundial da Saúde dedicada à Medicina Tradicional, que ocorreu em Nova Delhi, na Índia, entre os dias 17 e 19 de dezembro. A professora Érica Dumont Pena, do Departamento de Enfermagem Materno-infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem da UFMG e coordenadora do projeto, teve a oportunidade de apresentar tanto o guia quanto materiais educativos como vídeos e um curso de qualificação profissional.
Considerado o primeiro guia intercultural de cuidados pré-natais no Brasil, o Temi Totihi oferece diretrizes que buscam qualificar a assistência ao pré-natal, levando em conta a complexidade dos contextos locais e as necessidades específicas da população em vulnerabilidade da TIY. O guia se propõe a respeitar as práticas de autoatenção das mulheres Yanomami e Ye’kwana, visando uma atenção diferenciada que reconheça suas particularidades culturais.
Desigualdades Históricas na Saúde Indígena
A professora Érica Dumont destaca que, ao longo da história, a saúde da população Yanomami e Ye’kwana foi marcada por desigualdades e descasos. “O Território Indígena Yanomami, o maior do Brasil, enfrenta taxas alarmantes de mortalidade materna e neonatal, influenciadas por fatores como a presença de minas ilegais, malária, desnutrição e a fragilidade dos serviços de saúde estaduais. Durante muitos anos, o pré-natal e outras modalidades de assistência foram conduzidos por protocolos biomédicos que desconsideravam as línguas indígenas e as dinâmicas locais”, ressaltou.
A docente acredita que o novo protocolo pode contribuir significativamente para a redução de emergências obstétricas e a prevenção de evacuações médicas onerosas, além de melhorar a eficácia da atenção primária, refletindo positivamente na saúde das mulheres e crianças. “O diferencial do nosso projeto reside na integração de indicadores de saúde com evidências etnográficas que espelham os modos de cuidado tradicionais dos Yanomami e Ye’kwana, resultando em uma ferramenta clínica que é culturalmente legítima e multimodal”, afirmou.
Integração Cultural e Saúde Coletiva
O nome Temi Totihi, que se traduz do idioma Yanomami como “viver bem e com saúde”, encapsula a proposta ética do guia voltada para a saúde materna intercultural. A pesquisa que fundamenta o projeto combina análises epidemiológicas de dados nacionais com evidências qualitativas e etnográficas, coletadas através de oficinas comunitárias, observação direta e narrativas orais no território Yanomami.
“Foi uma experiência única apresentar nosso trabalho na Cúpula, especialmente porque nossa abordagem está alinhada com o que a OMS defende como prioridade para fortalecer a saúde nos próximos anos. O evento enfatizou a necessidade de uma nova organização da saúde global, focando na valorização dos cuidados tradicionais como uma estratégia vital na prevenção e promoção da saúde coletiva”, enfatizou a professora Érica Dumont.
Foco em Ações Colaborativas
O Projeto Redes de Cuidado é caracterizado por sua abordagem interinstitucional e interdisciplinar, com o objetivo de desenvolver atividades que fortaleçam as ações de saúde focadas em pré-natal e saúde sexual e reprodutiva das mulheres Yanomami e Ye’kwana. As ações se desenrolam em Roraima, na própria Terra Indígena Yanomami e também em Boa Vista, além de Belo Horizonte, através de oficinas, elaboração de materiais e cursos online, visando a formação de profissionais indígenas e não indígenas que atuem na TIY.
A professora esclarece que o projeto incorpora metodologias colaborativas que levam em consideração dinâmicas interculturais e as especificidades do subsistema de saúde indígena, promovendo a construção de protocolos que correspondam às necessidades e modos de vida dessas comunidades.
Colaborações e Impacto
O projeto reúne atividades de professores e estudantes da Escola de Enfermagem, Faculdade de Medicina, Faculdade de Educação e da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich), além de pesquisadores e colaboradores da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Instituto Socioambiental (ISA), Hutukara Associação Yanomami (HAY), Associação Wanasseduume Ye’kwana (Seduume), Projeto Xingu (Unifesp), do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami Ye’kuana (Dseiyy), Ministério dos Povos Indígenas e Hospital Sofia Feldman.
Discussões na Cúpula da OMS
A Cúpula da OMS, organizada pelo Centro Global de Medicina Tradicional, reuniu líderes políticos, profissionais de saúde e representantes de comunidades tradicionais. As discussões incluíram a proteção da biodiversidade, direitos de propriedade intelectual sobre saberes tradicionais e o papel da medicina tradicional no enfrentamento de doenças crônicas e na promoção da saúde mental.
Para 2025, a cúpula terá como lema “Restaurando o equilíbrio: a ciência e a prática da saúde e do bem-estar”, focando no fortalecimento da base de evidências e na integração responsável dessas práticas às políticas públicas de saúde.
